Surpreenda-se com "A Maior Dádiva" onde Irmão X nos brinda com a narrativa da personagem viúva e as duas moedinhas ofertadas ao gazofilácio. Simão Pedro pergunta e obtém do Mestre uma afirmação a respeito da dádiva mais extraordinária de outra doadora.
Livro Pontos e Contos, Irmão X, psicografia de Francisco Cândido
Xavier
A MAIOR DÁDIVA
Na
assembleia luzida do Templo de Jerusalém, os descendentes do povo escolhido
exibiam generosidade invulgar à frente da preciosa arca de contribuições
públicas.
Todos
traziam algum tributo de consideração ao Santo dos Santos, cada qual mostrando
a liberalidade da fé.
Vestes
de linho e valiosas peles, enfeites dourados e aromas indefiníveis impunham,
ali, deliciosas impressões aos sentidos.
Os
fariseus, sobretudo, demonstravam apurado zelo no culto externo, destacando-se
pela beleza das túnicas e pelos ricos presentes ao santuário.
Jesus
e alguns discípulos, de passagem, acompanhavam as manifestações populares, com justificado
interesse. E Judas, entre eles, empolgado pelo volume das oferendas,
abeirava-se do cofre aberto, seguindo os menores movimentos dos doadores, com a
cobiça flamejante no olhar.
A
certa altura, aproximou-se do Messias e informou-o :
–
Mestre: Jeroboão, o negociante de tapetes, entregou vinte peças de ouro!...
–
Abençoado seja Jeroboão – acentuou Jesus, sereno –, porque conseguiu renunciar
a excesso apreciável, evitando talvez pesados desgostos. O dinheiro demasiado,
quando não se escora no serviço aos semelhantes, é perigoso tirano da alma.
O discípulo voltou ao posto de observação, com indisfarçável desapontamento, mas, decorridos alguns instantes, reapareceu, notificando:
–
Zacarias, o velho perfumista, sentindo-se enfermo e no fim dos seus dias,
trouxe cem peças!...
–
Bem-aventurado seja ele – disse o Cristo, em tom significativo –, mais vale
confiar a fortuna aos movimentos da fé que legá-la a parentes ambiciosos e
ingratos... Zacarias prestou incalculável benefício a ele mesmo.
Judas tornou, de moto próprio, à fiscalização para comunicar, logo após, ao grupo galileu:
–
A viúva de Cam, o mercador de cavalos que faleceu recentemente, acaba de
entregar todo o dinheiro que recebeu dos romanos pela venda de grande partida
de animais.
E,
baixando o tom de voz, completava, cauteloso, o apontamento:
–
Dizem por aí que alguns centuriões planejavam roubar-lhe os bens...
Jesus
sorriu e considerou:
–
Muitos recursos amontoados sem proveito provocam as sugestões do mal. Feliz
dela que soube preservar-se contra os malfeitores.
O aprendiz curioso regressou à posição e retornou, loquaz :
–
Mestre: Efraim, o levita de Cesaréia, entregou duzentas moedas! Duzentas!...
–
Bem-aventurado seja Efraim – falou o Amigo Divino, sem afetação –, é grande
virtude saber dar o que sobra, em meio de tantos avarentos que se rejubilam à
mesa, olvidando os infelizes que não dispõem de uma côdea de pão!...
Nesse instante, penetrou o Templo uma viúva paupérrima, a julgar pela simplicidade com que se apresentava.
Diante
do sorriso sarcástico de Judas, o Senhor acompanhou-a, de perto, no que foi
seguido pelos demais companheiros.
A
mulher humilde orou e apresentou duas moedinhas ao fausto religioso do
santuário célebre.
Muitos
circunstantes riram-se, irônicos, mas Jesus apressou-se a esclarecer:
–
Em verdade, esta pobre viúva deu mais que todos os poderosos aqui reunidos,
porquanto não vacilou em confiar ao Templo quanto possuía para o sustento
próprio.
A
observação caridosa e bela congelou a crítica reinante.
Pouco
a pouco, o recinto enorme tornou à calma.
Israelitas
nobres e sem nome abandonaram, rumorosamente, o domicílio da fé.
Jesus
e os apóstolos foram os derradeiros na retirada.
Quando
se dispunham a deixar a enorme sala vazia, eis que uma escrava de rosto avelhentado
e passos vacilantes surgiu no limiar para atender à limpeza.
Movimenta-se
em minutos rápidos.
Aqui,
recolhe flores esmagadas, além, absorve em panos úmidos os detritos deixados
por enfermos descuidados.
Tem
um sorriso nos lábios e a paciência no olhar, brunindo o piso em silêncio, para
que o ar se purificasse na sublime residência da Lei.
Pedro, agora a sós com o Messias, ainda impressionado com as lições recebidas, ousou interrogar:
–
Senhor, foi então a viúva pobre a maior doadora no Templo de nosso Pai?
–
Realmente – elucidou Jesus, em tom fraterno –, a viúva deu muitíssimo, porque,
enquanto os grandes senhores aqui testemunharam a própria vaidade, com
inteligência, desfazendo-se de bens que só lhes constituíam embaraço à tranquilidade
futura, ela entregou ao Todo-Poderoso aquilo que significava alimento para o
próprio corpo...
Em
seguida a leve pausa, apontou com o indicador a serva anônima que se incumbia
da limpeza sacrificial e concluiu :
–
A maior benfeitora para Deus, aqui, no entanto, ainda não é a viúva humilde que
se desfez do pão de um momento... É aquela mulher dobrada de trabalho, frágil e
macilenta, que está fornecendo à grandeza do Templo o seu próprio suor.